Ver o corpo como um todo: o exemplo da Fibromialgia

O nosso organismo procura constantemente o equilíbrio (homeostase), pelo que, quando estamos perante uma determinada patologia, será natural que determinados mecanismos compensatórios e de sobrevivência sejam activados. Neste sentido, entendo que seja fundamental avaliá-la numa perspectiva mais abrangente do que aquilo que muitas vezes é feito.
Deixo como exemplo uma patologia que tenho vindo a estudar nos últimos anos, no seguimento do Doutoramento: a Fibromialgia (FM). A FM é uma doença inflamatória crónica não degenerativa, cuja etiologia permanece desconhecida. Caracteriza-se por dor musculoesquelética crónica generalizada, acompanhada por outros sintomas como fadiga crónica, astenia, ansiedade, depressão e alterações no padrão de sono (1).
O diagnóstico, de acordo com a American College of Rheumatology, passa pela identificação de dor à palpação, método que infelizmente ignora os outros sintomas da doença. O protocolo terapêutico passa pela intervenção com anti-inflamatórios não esteroides e relaxantes musculares, mas os pacientes de FM continuam a experienciar dor moderada e uma alteração nos mecanismos de regulação da mesma, não existindo um tratamento eficaz. Por estas razões, muitas vezes estes doentes sentem-se desacreditados, vivendo até envelhecer sem qualidade de vida.
Vários autores têm vindo a apresentar possíveis mecanismos justificativos das manifestações apresentadas.
Por um lado, parece existir uma disfunção da via inibitória descendente e ascendente, combinada com uma possível alteração no equilíbrio neuroquímico no Sistema Nervoso Central (2). Estes doentes parecem apresentar um aumento no fluido cerebroespinal dos níveis de neurotransmissores (NT) excitatórios, nomeadamente o glutamato, substância P e Nerve Growth Factor (NGF), e a diminuição de NT inibitórios, como a serotonina, dopamina e noradrenalina, o que irá potencialmente facilitar a transmissão do sinal, originando a amplificação da percepção de dor.
Por outro lado, alguns autores sugerem a existência de alterações da microbiota intestinal, isto é disbiose, com consequente existência de hiperpermeabilidade intestinal e SIBO (do inglês, Small Intestinal Bacterial Overgrowth) (3).
Foi também identificada uma desregulação do ritmo circadiano do cortisol nestes doentes (4), o que de forma crónica revela alterações no eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (eixo HPA), justificando não só a quebra de energia mas também a alteração no padrão de sono.
Adicionalmente, a disfunção mitocondrial e presença de stress oxidativo são também uma justificação possível para a fadiga crónica característica (5).
No meu entender, a resposta para a atenuação dos sintomas da FM, obviamente combinada com a terapêutica médica necessária, passará primeiramente por uma identificação dos sintomas mais evidentes e das possíveis vias metabólicas disfuncionais, através de interpretação de análises clínicas, sinais e sintomas revelados pelo doente. Posteriormente, terá de ocorrer uma alteração do estilo de vida de forma global, que inclua não só a alimentação, mas também exercício físico apropriado e, principalmente, uma melhor gestão de stress. Relativamente à alimentação, a estratégia individual terá de ter como base os possíveis mecanismos alterados, particularmente:
Optimização da microbiota intestinal, evitando alimentos com potencial pró-inflamatório; ingerindo mais pró e prebióticos; e assegurando o aporte de nutrientes fundamentais à saúde intestinal.
Tratamento de SIBO, se existir, com uma dieta pobre em alimentos com alto teor de FODMAPs.
Melhoria da função mitocondrial, através do aumento da ingestão de antioxidantes e assegurando a ingestão adequada de aminoácidos, vitaminas do Complexo B e os co-factores necessários à sua função.
Normalização do eixo HPA, procurando promover a eliminação das hormonas em excesso e evitando agentes potenciadores de maior desregulação do cortisol, nomeadamente através de uma melhor gestão de stress.
Melhoria do padrão de sono, aumentando a ingestão de triptofano ao deitar, ou eventualmente considerando a suplementação com melatonina.
Atenuação da inflamação, através do aumento da ingestão de alimentos com potencial anti-inflamatório e redução da ingestão de moléculas com potencial pró-inflamatórios.
Penso que, para poder ajudar realmente alguém, é fundamental primeiramente ouvir essa pessoa, procurando evitar isolar os sintomas ou patologias presentes, mas antes observando como estes se interligam ao longo da sua vida até à actualidade, por forma a melhor adequar toda a estratégia, tornando-a exequível.
O conceito de Saúde, mais do que “não estar doente”, significa “prevenção de Doença”, e esta passa necessariamente pelo equilíbrio de quatro pilares: alimentação adequada, exercício físico consciente, boa higiene de sono e uma óptima gestão de stress. Um desequilíbrio num ou mais destes pilares origina Doença, nunca o contrário.
Bibliografia:
1- Clauw, D. J. (2009). "Fibromyalgia: an overview." Am J Med 122(12 Suppl): S3-S13.
2- Fitzgerald, C. T. and L. P. Carter (2011). "Possible role for glutamic acid decarboxylase in fibromyalgia symptoms: a conceptual model for chronic pain." Med Hypotheses 77(3): 409-415.
3- Pimentel, M., D. Wallace, D. Hallegua, E. Chow, Y. Kong, S. Park and H. C. Lin (2004). "A link between irritable bowel syndrome and fibromyalgia may be related to findings on lactulose breath testing." Ann Rheum Dis 63(4): 450-452.
4- Riva, R., P. J. Mork, R. H. Westgaard, M. Ro and U. Lundberg (2010). "Fibromyalgia syndrome is associated with hypocortisolism." Int J Behav Med 17(3): 223-233.
5- Cordero, M. D., M. de Miguel, I. Carmona-Lopez, P. Bonal, F. Campa and A. M. Moreno-Fernandez (2010). "Oxidative stress and mitochondrial dysfunction in fibromyalgia." Neuro Endocrinol Lett 31(2): 169-173.
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